Do sonho à realidade……
Em 2016, depois de ter ouvido falar muito na prova Rainha, de ter visto umas fotografias fabulosas, umas paisagens deslumbrantes e uns vídeos que metiam muito respeito e medo, decidi inscrever-me, pela 1ª vez, naquela que é para mim “a” prova, numa Serra que muito admiro e respeito. Isto é a minha cara – dizia para mim.
Foi então que, a muito medo, inscrevi-me no UTSF26KM.
Treinei, treinei e treinei para que tudo corresse bem, para que conseguisse
terminar uma prova na Serra que me enchia os olhos. O respeito pela mesma é
muito grande, ao ponto de eu só me ter inscrito na prova mais curta. – Calma,
começo debaixo para cima - foi a teoria que segui.
Depois de ter completado esta primeira, com muito orgulho, e ter ficado ainda mais encantado por aquela que viria a ser a minha Serra preferida e, dias depois de ter ouvido outros atletas a falar da prova dos 65Kms e 100Kms, decidi dar um salto na distância e, dois anos depois (sim, dois anos depois porque no ano a seguir fui fazer o Hard Trail Monte da Padela que coincidia no mesmo dia da Freita), inscrevi-me na prova de 65Kms. Meu Deus, seja o que Deus quiser! Mais uma vez o respeito por aquela obra da natureza foi gigante. Calma, que um dia irei estrear-me numa prova de 3 dígitos, na Freita - era e sempre foi o meu pensamento.
Nove horas e uns picos depois tinha conseguido atingir mais um objetivo. Que Serra magnífica, tem tanto, mas tanto para nos mostrar que o pensamento que me veio à cabeça foi – se nos 65 km’s entrei dentro da Serra, nos 100 km’s …nem imagino! Está decido, 2019 será o ano da estreia na distância de 3 dígitos.
Assim foi, inscrição feita e toca a preparar a prova.
Só que…….
A um mês e pouco da prova lesiono-me na virilha. Uma dor que
teimava em não passar, arrastava-se perna
a baixo. Andei até ao ultimo dia antes da prova em tratamento (obrigado
Baltazar da Fisiomanual, que profissional J,
obrigado mesmo por tudo). Sonhei varias vezes com esta prova, andava ansioso nas
ultimas semanas, em casa só respirava Freita, todas as conversas normais
acabavam com a palavra Freita, e agora esta dor não passava L O animo existia e a
esperança é sempre a ultima a morrer e não sendo eu uma pessoa de desistir
facilmente, ficou acordado com o Baltazar que eu iria na mesma tentar fazer a
prova, de abastecimento a abastecimento a um ritmo não muito elevado para ver
se a dor dava tréguas.
Dia da prova
Eram 5 e pouco da manha, já com o dorsal levantado no dia
anterior, eu a tremer como varas verdes, lá me equipo e começo a pôr o meu
balsamo milagroso (Basi, acho que já vos falei dele noutras ocasiões,
acompanha-me sempre e faz mesmo milagres). Tinha uma pequena dor, era ligeira,
mas era a suficiente para me avisar de que ela estava ali.
Fotos para lá fotos para cá, cumprimentar os atletas conhecidos de outras guerras (Michel Almeida, Rui Monteiro) , quando lá se ouve o Sr. Moutinho e o Joca para que nos encaminhássemos para a meta. Bem, eu já não sabia o que fazer a tanto nervosismo. Estava prestes a embarcar naquela que seria a minha maior aventura, na minha Serra preferida e a estreia numa distância de 3 dígitos (aventura em distância porque em acumulado não posso deixar de referir a participação, bem sucedida, no Pisão Extreme 65 km’S com 6500 D+) J
6:00h Junto ao Pavilhão da Escola Secundaria de Arouca.
3, 2, 1 partidaaaaaaaaaaa assim foi dada como habitualmente
pelo Sr. Moutinho.
A prova dos 100 Km’s e dos 65 km’s partiram em conjunto o
que originou um elevado número de atletas a percorrer as ruas de Arouca em
direção ao “campo de batalha”.
Como já tinha referido, ia com o pensamento de abastecimento
a abastecimento esquecendo a parte dos Km’s. Foi a minha estratégia para a
prova face também à minha lesão.
Para aqueles que têm dificuldade em aquecer, os primeiros 9 km’s foram sempre a subir. O 1º objetivo era chegar à Malhada (local do 1º abastecimento).
E assim foi, pelo meio ainda passamos, como habitualmente, pelo
Sr. Moutinho onde se ouvia os gritos de incentivo à distância “andem seus
cabrões” ahahahah (já percebi o porquê da cabra na t-shirt da prova) ahahahaha e por algumas pessoas que se encontravam junto
à Malhada. De referir que, neste local, existe um Miradouro fenomenal que
proporciona uma vista de louvar aos céus J
Bem, voltando à minha prova, a minha dor estava controlada.
Quase nem a sentia. Questionei-me algumas vezes como é possível? Ando há um mês
com dores e agora quase nem a sinto! Ainda por cima depois de ter feito 9 km’s
a subir! Que estranho e que bom.
Abastecido, segui viagem. De referir que nunca tive tanto cuidado com a hidratação numa prova. Eu estava avisado do calor e não queria mesmo correr o risco de desidratar. Toca a seguir viagem para o 2º objetivo, que era a 12,1Km’s de distância, em Tebilhão. O terreno já era mais plano, mas não menos difícil porque o piso era muito irregular, pedras escarpadas e pontiagudas, os tojos no chão dificultavam em muito a colocação dos pés, nascentes escondidas onde facilmente molhávamos os pés, coisas características da Freita J
Ia a sentir-me bem, confiante, com esperança a imaginar-me a
cortar a meta o que fez com que os primeiros km’s ate se passassem bem. Nesta
parte do percurso, andámos um pouco “ lá em cima” com pequenas subidas e
descidas que dava para apreciar o topo da Serra e toda a paisagem à volta dela.
Chegado ao 2º abastecimento (km 21), com sensivelmente 3 horas de prova, volto a parar para abastecer-me mas, tinha qualquer coisa nos calcanhares a incomodar-me :/ decidi tirar as sapatinhas e … “caiu-me” tudo! Como é possível? Já fiz tantos km’s com estas sapatilhas (sim, no inicio tive algumas bolhas mas, no inicio, não depois de centenas de Km’s) Meu Deus, que faço agora? Não é da virilha, é dos calcanhares?? Que raio!!! Bem, lá mantive a calma e fui ao meu estojo dos primeiros socorros ver o que podia fazer perante dois calcanhares já sem pele. Lá tive que colocar uns pensos e ligar os calcanhares tentando protege-los. Volto a calçar as sapatilhas e quase não sentia dor, ou seja resultou na perfeição J
Siga em direção ao 3º objetivo que era a 10,8Km’s de distância,
em Covelo de Paivô. Km 31,9. Tinha pela frente o Trilho do Carteiro e uma
passagem pelo Rio Paivô para refrescar um pouco.
Nesta parte do percurso passámos por umas ruínas que seriam uma antigas minas de volfrâmio. E o túnel? Que meeeeeedo :P Bem, uma coisa é certa, se o carteiro de antigamente fosse como eu a correr naquele trajeto as pessoas bem que podiam estar sentadas à espera das cartas, porque foi uma parte bem difícil de percorrer. A passagem pelo rio soube-me ás mil maravilhas, mas nem tudo foi um mar de rosas porque aquelas pedras escorregadias eram umas autênticas armadilhas.
Covelo de Paivô. 3º abastecimento. Local também da 1ª barreira horária. 7h30 seria o tempo limite e eu consegui chegar com 5h37, ou seja, tinha alguma margem. Neste abastecimento, segundo malta mais experiente, seria o verdadeiro local para inicio do UTSF100KM’s, ou seja, 32km’s depois de termos começado, as coisas iam começar a aquecer! Neste abastecimento tínhamos uma massa com atum que me soube a sapateira e camarões. Veio mesmo a calhar. Acho que a malta da organização, com esta massa, estava já a avisar-nos e a prepararmo-nos para o que aí vinha.
Pela frente ia ter 14km’s com 1221 D+ até chegar ao próximo abastecimento ao Km 45,9. Este seria o maior percurso em Km’s entre abastecimentos onde ia enfrentar o sol e o calor no seu máximo. Pela frente também ia encontrar a famosa subida das Almas Penadas. Só o nome metia respeito. Depois de ter andado pelos trilhos de pedras soltas, com a dureza das pedras também junto ao Rio, lá cheguei à escarpa. O litro de água que tinha estava a meio, o que me deixou um pouco apreensivo. Estava mesmo muito calor e a escarpa tinha uma inclinação brutal e de muito lenta progressão. Não me recordo quanto tempo demorei a fazer, mas que era muito lento a progredir, era! Entretanto fiquei sem água quase nenhuma e ainda faltava a subida das Almas Penadas. Comecei a ficar um pouco preocupado porque sem água na Freita, é a “morte do artista”. Entretanto, depois da subida da escarpa, alguém (só mais tarde fiquei a saber que tinha sido o Sr. Moutinho), tinha colocado uns quantos garrafões de água para a malta poder abastecer ! Que alívio! Que sensação. Acredito que aqueles garrafões tenham “salvado” a vida a muitos atletas. Entretanto também fiquei a saber que, pelo caminho, existia uma bica. Só que, fruto da minha inexperiência, passei por ela e não a vi :/ (mas não fui o único).
Bem, garrafas cheias, toca a partir para as Almas Penadas … a subida era feita, mais uma vez, numa progressão muito lenta, o sol era forte, o calor abrasador, as duas garrafas de água não iam durar muito tempo. A subida tinha mais ou menos 1,5 km’s. Estou a escrever isto e parece que me estou a sentir lá! Que caloooorrrrr! Nesta parte do percurso, alguns atletas passaram-me, comecei a ir um pouco a baixo, a parar muitas vezes e cheguei mesmo a sentar-me e depois até me deitei perto de uma pedra grande (local raro naquela parte do percurso onde fazia sombra e a vegetação, dava para sentar em cima e fazer de cadeira) Não estava a aguentar o calor que tinha nos pés, escaldavam! Entretanto, passam por mim o João Celso e o Fernando Mendes (malta vizinha), o João pelo que falámos depois, era a segunda vez que vinha à Freita e o Fernando Mendes já é cliente habitual desta Serra e distância. Bem, lá me levantei e tentei-me colar a estas duas máquinas de guerra, mas a coisa não estava fácil. A água tinha acabado, tinha levado com o homem da marreta vezes sem conta e o ânimo estava a dar parte fraca. Para piorar, quando parecia que estava já no fim da subida, aparecia outra igual! Epá que brutalidade de subida! Não terminava mesmo! A Freita a mostrar-se impiedosa.
Km 45,9 - Aldeia da Pena, local do 4º abastecimento. Este sitio era fantástico. Um pequeno café/restaurante com uma esplanada com sombra, bancos e mesas. Para além do abastecimento normal tinha também uma sopa maravilhosa à nossa espera, aqui neste abastecimento, vi alguma malta a aproveitar para tirar as sapatilhas e algum equipamento para se refrescar e aproveitar para descansar um pouco. Eu já não tinha bateria no relógio por isso não sei bem o tempo que levava, mas “colei-me” ao Fernando e ao Celso visto que tinham mais experiência do que eu nesta prova e quando eles decidissem arrancar, eu iria atrás. Neste abastecimento, as dores musculares já eram bastantes, voltei a fazer o curativo aos meus calcanhares, mas reparei que tinha a unha do dedo grande do pé completamente pisada. Mais uma dor extra! Realmente quando eu descia doía-me um pouco e depois de ter tirado a sapatilha já fiquei a perceber o porquê. Como o dedo encostava à frente da sapatilha por causa da ligadura que me enchia o pé dentro da sapatilha e com a fricção, lá arranjei mais uma dorzinha.
A força anímica estava a dar parte fraca e com estas dores
extras, a coisa estava a complicar-se. Ainda nem a meio da prova vou…
Abastecidos, estava na hora de arrancar para mais uma etapa.
Em direção ao 5º abastecimento que ficava no Portal do Inferno a 5,8 km’s de distância.
Eram só quase 6 km’s :D notícia boa :D mas, não, não era! Quase 600 D+ tiravam
o ânimo todo. Nesta parte do percurso, consegui como referi atrás, arranjar
companhia o que ajudava a “abafar” as dificuldades da descida que apanhamos em
direção a Covas do Monte. Só que era neste tipo de descidas que eu tinha
inúmeras dificuldades e com o passar do tempo elas iam aumentado. Quando o
assunto era descer começava a ter dificuldade em acompanhar os meus colegas. O
dedo do pé batia na sapatilha e eram umas dores horríveis. Horríveis mesmo! Mas
eu também não queria dar parte fraca e lá continuava. A coisa melhorou um pouco
assim que começamos a subir O Portal do Inferno, aquele trilho fantástico entre
duas encostas é único! Apesar da grande dificuldade da subida, aliviava-me a
dor do dedo.
Portal do Inferno, km 51,7 - local do 5º abastecimento. Umas cadeiras e abastecimento à nossa espera. Sentámo-nos um pouco! Esta subida foi muito desgastante. O calor era imenso. Alguns atletas já falavam em desistir. Pela frente tínhamos mais uma etapa de 11,4 Km’s com 826 D+ que nos iria levar ao local de base de vida, Póvoa das Leiras. Neste mesmo local existia outra barreira horária que iria barrar todos os atletas que chegassem com mais de 16h de prova.
Nós íamos com o tempo todo contado. As dificuldades que se avizinhavam era muitas, mas mesmo assim, tínhamos tempo para conseguir ultrapassar esta etapa. Nestes 11,4 km’s íamos passar pela Aldeia super mega histórica e mítica de Drave e por outro lugar mítico que são os três pinheiros que agora são só 2 (pelos vistos o Sr. Moutinho até aos pinheiros mete medo ). Antes de chegarmos a Drave, principalmente nas descidas, lá ficava eu para trás L não estava fácil. Eu pensava em tudo para me abstrair das dores do dedo e dos calcanhares, mas não estava nada fácil. Entretanto, quando o percurso deixava de ter inclinação, lá conseguia correr e voltar a acompanhar os meus colegas que, muitas forças me deram durante o percurso que fizemos juntos. Lembro-me de ter visto pelo telemovél que já levava sensivelmente 53 km’s (isto às 18h40) ou seja, ia ter que acelerar o passo para conseguir chegar a tempo de não ser barrado ao km 63,1. Também já começava a ficar preocupado pelo facto de ter que andar pela Serra durante a noite sem ter bem a certeza se iria ter companhia pois eu estava a ficar atrasado perante os meus colegas. Eu estava, literalmente, a atrasá-los.
Bem…faltavam sensivelmente 10 minutos para as 21h30 e lá
conseguimos chegar a Póvoa das Leiras :D ufaaaaa!!!! Foi mesmo por pouco. Mais
uma etapa concluída! 63,1Km’s percorridos. Aqui, neste abastecimento, podíamos
mudar de roupa e receber ajuda externa. Confesso que fiquei um pouco chateado
neste abastecimento porque ia mesmo a contar com comida quente e a única coisa
quente que tinha eram uma papas cerelac, que detesto :/ bem, mas não valia a
pena dramatizar e perder muito tempo com esses pensamentos negativos porque
para negativismo já chegava a dor dos meus pés! Como tínhamos chegado quase a “queimar
o tempo” também não podíamos “acampar” lá porque estávamos constantemente a ser
alertados para que se continuássemos ali dificilmente íamos conseguir passar na
próxima barreira horária. Ou nos fazíamos à estrada ou íamos ter muita
dificuldade. Ora bem, como já tínhamos roupa seca vestida, frontal colocado,
ligaduras nos pés recolocadas, e alguma comida no estomago, lá fomos nós, já
com a noite bem colocada, em direção a Bondança, local do 7º abastecimento. Tínhamos
que percorrer 7,55 Km’s para lá chegarmos. Pelo meio, íamos passar pela famosa
Besta e depois voltar a descer um pouco em direção a Bondança. Chegados à Besta
(eu e o Celso, porque o Fernando tinha arrancado dois ou três minutos antes e o
combinado era nós o irmos apanhar) arrumamos aquilo que até àquele km nos tinha
feito sempre jeito, os bastões! De nada servem na Besta, aliás, ate pelo contrário,
só atrapalham e, toca a ligar a tração à 4 e pedras a cima J Esta ia ser a segunda
vez que fazia a Besta, no ano passado fiz de dia este ano ia ser uma experiência
nova. Adorei cada (ia dizer passo que dei, mas isso não é verdade, não dei
passo nenhum) vou dizer assim…adorei cada avanço que fiz! O tempo estava fresco,
mas com o esforço que se fazia para avançar o calor corporal fazia com que até
a água que descia pelas pedras abaixo nos fizesse sentir bem. Fazer a Besta
durante a noite é uma coisa fenomenal J
Bem, a aventura continuava. Depois de ter subido a Besta, já
tínhamos apanhado o Fernando e o km 71 estava aí a chegar com novo
abastecimento. Bondança, local do 7º abastecimento. Era dentro de uma cave/ garagem
, mais uma vez, papas cerelac L
lá tive que me contentar com fatias de pizza e um café quentinho. Lá nos
sentamos um pouquinho e as contas para a barreira horária existente na Lomba já
se faziam. Está a ficar, mais uma vez, apertado. Não podíamos ficar muito tempo
ali e foi então que arrancamos para mais uma etapa. Etapa essa com 7,8 km’s e
que contava com uma descida abrupta o que me deixou muito muito apreensivo.
Descer? Não dá, não consigo…isto está a doer muito. Não aguento as dores do pé!
Depois do Celso puxar por mim vezes sem conta e ter-se atrasado em relação ao
Fernando, seguiu a viagem dele até porque eu estava muito lento a descer,
estava a pô-los em risco de não conseguirem passar a barreira horária. Estava a
atrasá-los muito. Muito mesmo! Fiquei então para trás sozinho dentro daquela
Serra, e ainda com as escadas do Martírio por fazer, cheio de dores, desanimado
e sem vontade de prosseguir com estas dores e com vontade de atirar a tolha ao
chão. Não tinha relógio, por isso não sabia se ainda dava para passar antes das
21h30 de prova, ou seja, se conseguia passar antes das 3h30 da manhã. Assim que
se chega às famosas escadas do Martírio começa-se a pensar como raio elas foram
ali parar! 800 degraus em pedra com uma inclinação também brutal. Lá avançava com
a ajuda dos bastões, mas a medo pois, sozinho, no meio daquelas ruínas, apenas
com um foco, não era para menos :/
Ate que dou com uma estrada J
e alguma luz J .
Chegava à Lomba. A minha primeira reação foi saber se tinha chegado antes das
3h30 pelo que me disseram que sim, o que me deixou muito contente, mas por
outro lado não sabia o que fazer. Os meus colegas ainda estavam a descansar
naquele abastecimento e por lá ficaram mais um pouco. Ali sim, voltei a comer uma
sopa que me soube às mil maravilhas J
e foi então que me deitei um pouco a pensar o que fazer. Não consigo descer,
doía-me muito o pé. Tirei as sapatilhas tirei a ligadura e MEU DEUS!!!! Uma
bola gigante no calcanhar sem pele e uma unha completamente pisada L Pronto, é triste
estando a 20 Km’s da meta, mas é verdade. Sou obrigado a desistir. Já nem
consigo pousar o pé no chão. Depois de ter tirado a sapatilha fiquei muito
pior. Acabou a prova para mim, disse eu para os meus colegas. Eles ainda
fizeram força para continuar, mas eu disse-lhes que já não dava mais. As lágrimas
vieram-me aos olhos! Andei um mês a tratar-me de uma lesão que não me deu
tréguas até ao último dia e que agora nem sinal de vida dá, e agora vou morrer
na praia por causa de umas sapatilhas que têm centenas de km’s e fizeram-me
duas bolhas gigantes no calcanhar e pisaram-me uma unha! Que tristeza senti eu
naquele momento. Tremia como varas verdes até que….
Uma senhora chamada Dulce Neves, que pertencia à organização
e estava a dar apoio naquele abastecimento viu o meu estado e veio ter comigo
oferecendo ajuda. Eu desesperado disse logo que não valia a pena, as dores eram
muitas e não conseguia já sequer caminhar. Só que a Dulce voltou a insistir e
até foi arranjar um enfermeiro que estava naquele local para me ajudar. Bem,
depois de tanta insistência não pude dizer que não e lá deixei o Sr. Enfermeiro
voltar-me a colocar uma ligadura, mas desta vez de uma forma diferente e até me
colocou os atacadores das sapatilhas também de uma maneira diferente para que o
meu pé não andasse para a frente e consequentemente o dedo já não batia na
frente da sapatilha. Lembro-me das palavras da Dulce “estarei na meta para o
ver chegar”, “vai continuar e acabar a prova”. Depois de tanto incentivo e de
ter caminhado um pouco, reparei que as dores no pé aliviaram um pouco. Assim de
repente, fiquei aliviado porque não estava a contar não ter dores. Decido então
tentar continuar a prova só com o pensamento da meta! 20 Km’s! So faltavam 20km’s!
Voltei a ganhar animo e aproveitando a boleia do Carlos Guerra lá fomos os dois
Serra a cima! Até ao próximo abastecimento precisava de fazer 7,65 Km’s, ou
seja, ia ver o pôr do sol J
Esse abastecimento era em Albergaria da Serra, numa escola. Mas até lá chegar o
grande desafio era uma subida (mais uma J)
que se chama Bradar aos Céus, sabe-se lá porquê :P se não bati com a cabeça nas
nuvens, pouco faltou! Mais uma subida típica da Freita com uma inclinação
brutal e para, mais uma vez, ficar demonstrado que, ninguém brinca com esta
Serra.
Demoramos (eu e o Carlos) uma eternidade a fazê-la porque o cansaço era muito e a inclinação era brutal, tal como todas as outras subidas que fizemos. Depois do abastecimento da Lomba a malta que iria fazer de vassoura desde aquele abastecimento ia logo atras de nós, por vezes até a fazer-nos companhia na conversa, que nos ajudava a passar o tempo. De salientar que foram todos muito porreiros connosco, sempre sem pressas e sempre que parávamos eles também paravam. Vimos o dia a nascer, comecei a ficar com uma sensação estranha. Ter sono a correr :P incrível esta sensação. Também não dei parte fraca, passamos por uma zona onde passava água e toca a lavar-me naquela água fria para acordar. Resultou :P Albergaria da Serra já estava na mira, o animo aumentava porque passando este abastecimento ficava a faltar muito pouco para concretizar um sonho!
Chegados a este 9º abastecimento, parámos um pouco, comemos
e bebemos um café, que a mim soube-me ás mil maravilhas, descansamos mais um
pouco e seguimos viagem, agora só com um pensamento! Cortar a meta!
Faltavam 13 km’s sendo que 9 km’s eram a descer sempre em
direção à meta. Lá fomos nós em direção a Arouca, mas, entretanto, ainda
tivemos mais uma pequena subida que deve ter sido para servir de recordação e
relembrar que ali, quem manda é mesmo aquela Serra. Foi então que começámos a
descer em direção a Arouca. O descer voltava-me a fazer moça. A ligadura já
pouco efeito fazia, mas agora era até ao fim nem que fosse de rastos, joelhos,
só com uma perna, já ninguém me parava! Se doía muito? Doía! Se chorei? Muito!
Mas…#istoéparahomensdebarbarijaemulheresdebidode J
Eram sensivelmente 9:30h da manhã, entro na escola e parecia
que tinha acabado de conquistar o Mundo J
e conquistei, um cumprimento do Sr. Moutinho , uma foto de finisher e….está
feita!
Tinha acabado de fazer, com sucesso, a UTSF100Km´s J ainda por cima à primeira tentativa :) que alegria J Eu não acreditava!! Sei que não foi da maneira que queria, e muito longe do tempo que tinha estipulado, mas depois de tantas dificuldades e tantas contrariedades, fico muito orgulhoso de ter sido um dos 74 atletas a terminar uma prova que inicialmente tinha 175.
Obrigado Dulce pela sua teimosia, se não tivesse insistido eu teria ficado por ali e depois viria a arrepender-me bastante. Obrigado ao João Celso e Fernando Mendes pela companhia e força que me foram dando enquanto andámos juntos e obrigado ao Carlos Guerra pela companhia durante os 20 km’s finais!
Se volto a fazer a UTSF100 Km’s? Hum…o que acham? ;)
#istoéparahomensdebarbarijaemulheresdebigode